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GEPPAV em colóquio regional de arqueologia, património e turismo

O GEPPAV esteve presente este fim de semana no "Colóquio de Arqueologia, Património e Turismo no Vale do Minho — Um impulso para a investigação e o desenvolvimento turístico", realizado em Monção, onde apresentou uma comunicação subordinada ao título "Grupo de Estudo e Preservação do Património Vilarmourense: uma década a produzir conhecimento sobre uma aldeia industrial". A organização esteve a cargo do Projeto Arqueológico de Longos Vales e da Câmara Municipal de Monção e o evento realizou-se no Cine-Teatro João Verde. Ao longo dos dois dias de duração, 30 de abril e 1 de maio, o colóquio reuniu investigadores nas áreas da Arqueologia, do Património e do Turismo Cultural, que expuseram os resultados e as problemáticas inerentes a projectos de investigação ou de desenvolvimento local e regional. As sessões de trabalho foram três — Património, turismo e desenvolvimento regional; Projectos de investigação regionais; Defesa e preservação do património cultural — e foi nesta última que o GEPPAV teve oportunidade de apresentar alguns dos resultados do seu trabalho passado e em curso. Entre este último, destaca-se a preparação de um estudo, o primeiro, sobre a fábrica de louça de Vilar de Mouros (1855-c.1920) e, numa outra frente, a da defesa do património e consequente valorização turística, a classificação patrimonial de duas históricas oficinas de ferreiros e o estabelecimento de um núcleo museológico dedicado a Vilar de Mouros — Aldeia Industrial.

 

Comunicação do GEPPAV, 1 de maio, 11H30

Grupo de Estudo e Preservação do Património Vilarmourense: uma década a produzir conhecimento sobre uma aldeia industrial

Fundado em 2004,  o Grupo de Estudo e Preservação do Património Vilarmourense tem-se consagrado, em regime de voluntariado, à produção de conhecimento novo sobre o passado de uma aldeia com uma história peculiar para uma freguesia alto-minhota pela sua marca industrial. Com a memória coletiva dos seus habitantes em risco de perda por ausência de registo, o GEPPAV gravou dezenas de depoimentos, digitalizou espólios familiares, percorreu os corredores de bibliotecas e arquivos e estabeleceu parcerias com investigadores nacionais. Daí resultaram diversas monografias temáticas — Cadernos do Património Vilarmourense — centradas sobre os ferreiros e serralheiros, os estucadores e maquetistas, a cultura e o associativismo local e as minas de estanho e volfrâmio, estando em preparação um trabalho sobre uma fábrica de faiança oitocentista. Numa outra frente, a da defesa do património e consequente valorização turística, foi proposta a classificação patrimonial de duas históricas oficinas de ferreiros — atualmente em curso no âmbito do município de Caminha — e o estabelecimento de um núcleo museológico dedicado a Vilar de Mouros — Aldeia Industrial. 

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1. Aldeia industrial é um conceito pouco presente e ainda menos aprofundado na historiografia portuguesa — fixados como estamos na dicotomia campo/cidade, esquecemos por vezes que, em sítios com determinadas características geográficas, culturais ou históricas, a indústria permeava a agricultura e podia imprimir uma marca de especialização em localidades mais pequenas de um território. Foi um conceito que se nos tornou evidente quando, há cerca de uma década, iniciámos os nossos estudos sobre Vilar de Mouros, a freguesia onde todos residimos, uma aldeia que, entre finais do século XIX e começos do século XX — atravessada pelo rio Coura e com uma ponte tardo-medieval, única na zona até 1839 —, concentrou cinco oficinas de ferreiros (duas delas com mercado regional ou nacional), duas azenhas fluviais, quatro fábricas de laticínios, um complexo de doze moinhos em fiada servidos por uma canal de condução de água com 10 km de extensão, um lagar de azeite, dois engenhos de serração, dois fornos da cal, exploração de pedra, pesqueiras, duas concessões mineiras (de estanho e volfrâmio), uma fábrica de moagem e serração que empregava cerca de 50 operários e uma fábrica de faiança, que chegou aos 20 operários e foi durante muito tempo a única do distrito de Viana do Castelo; sem esquecer, uma plêiade de artistas estucadores e maquetistas em gesso que emigrou para as cidades e se projetou no país e na diáspora até ao último quartel de novecentos. Enfim, uma verdadeira tradição de trabalho industrial e operário, com os inevitáveis reflexos sócio-políticos — no pioneirismo republicano antes de 1910, na invulgar vitória de Delgado em 1958, até nos dias de hoje, com mais de duas décadas de executivos comunistas na Junta de Freguesia — que distingue Vilar de Mouros de outras localidades vizinhas.

2. Coloca-se então a questão da produção de conhecimento novo sobre esta realidade distinta — no essencial da época contemporânea, de finais do século XVIII até meados do XX — que, em regiões periféricas como a alto-minhota, veio até perto dos nossos dias, uma espécie de “mundo que nós perdemos”. Nos dias de hoje, com a evolução das qualificações, as novas tecnologias de informação e comunicação (nomeadamente com a abertura de arquivos regionais e nacionais pela digitalização e disponibilização em linha) e até a mobilidade social, emergiu uma massa crítica — com formações de origem diversas, superiores ou não — que, pela primeira vez, num aparente paradoxo com o mundo global em que vivemos, tem condições para assumir localmente a produção de conhecimento. Uma produção de conhecimento local — com as vantagens que daí decorrem, da proximidade no acesso às fontes, quantas vezes espólios familiares, ou da confiança acrescida na recolha da memória oral — mas sem ser localista, isto é, sem aquela natureza provinciana que muitas vezes caracterizava algumas monografias locais de um passado ainda recente. E como se evita, ou se atenua, esse risco do localismo e do provincianismo?

a) Nunca deixando de ter presente os mais amplos contextos, regionais (incluindo a Galiza, obrigatória para o Alto Minho), nacionais, mesmo internacionais — por única e diversa que pareça a nossa realidade de estudo, existem quase sempre outras equiparáveis, muitas delas já trabalhadas por outrem, pelo que há que fazer a devida revisão de literatura;

b) Com elevados critérios de exigência metodológica e científica que, sendo recebidos do mundo académico, nem por isso têm de ser dele exclusivo;

c) Sempre que necessário, recorrendo a investigadores externos, do mundo universitário ou museológico, mas com a condição desse conhecimento ser partilhado — e não de mero uso instrumental para teses ou trabalhos académicos, como tantas vezes sucede — e depois devolvido aos principais interessados, as populações, através da apresentação e divulgação local.

3. Importa dizer que a produção de conhecimento novo deve ser seguida pela regular divulgação de sínteses temáticas, com publicações cuidadas, sejam elas impressas ou digitais, o que nem sempre sucede em grupos e associações de carácter local. Como se referiu, o conhecimento tem de ser devolvido às pessoas e acresce que com a sua divulgação ganha-se credibilidade, expondo-nos como interlocutores válidos para o nosso território:

a) quando há problemas relacionados com a defesa do património — estando no local, eles surgem-nos primeiro e a pressão sobre as autoridades é, por conseguinte, mais rápida;

b) quando investigadores externos vêm ter connosco, pedindo ajuda para as suas investigações no território que conhecemos;

c) quando damos o exemplo a pessoas ou coletivos de localidades vizinhas ou próximas, pelo grau de qualidade e exigência que colocamos no nosso trabalho;

d) quando fazemos propostas de maior alcance, como a da classificação patrimonial de uma determinada realidade — como sucede com duas oficinas de ferreiros da freguesia que vêm do século XVIII — visando aproveitar as suas potencialidades turísticas e mostrar que uma cultura material praticamente desaparecida pode ter hoje outras utilidades que não apenas a museológica, mas também a artística e até a comercial e industrial, com a possibilidade de criação de emprego local.

4. Finalmente, a investigação local, feita por pessoas desse local, também tem problemas, e aqui reportamos dois, simultaneamente como alerta e apelo:

a) o facto da realidade de estudo estar perto dos investigadores não elimina o facto de parte das fontes estar em risco sério de preservação: as impressas ou materiais porque nem sempre são valorizadas e, por vezes, encaram-se como descartáveis; as imateriais porque, ao contrário do senso comum, a memória oral de um povo desaparece por vezes no horizonte de uma ou duas gerações; daí a importância de gravar, digitalizar, inventariar, seriar, criar bases de dados genealógicas, erigindo verdadeiros centros de memória local que depois poderão ser nós de redes mais amplas e servirão de base de trabalho para outros no presente ou no futuro;

b) somos apoiados pela Junta de Freguesia, Câmara Municipal e DRCN — essencialmente através da aquisição das nossas edições — mas temos dificuldades no acesso a programas ou projetos comunitários de apoio à cultura e investigação; seria pois importante criar mecanismos de suporte a pequenas unidades de estudo e investigação local, não enquadradas institucionalmente em centros de investigação ou universidades, se preciso for integrando-as em projetos de escala maior, sem contudo deixar de respeitar a sua autonomia.

 

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